Estávamos na sala de aula,
Como sempre ela estava calada
e ficava aninhada,
deixando o mundo passar
à sua volta sem nada dizer,
apenas observava...
Tinha uns olhos grandes,
o coração que carregava no peito
batia no chão de tão pesado que era.
carregava o seu amor,
e o amor daqueles que dele se alheavam...
Era a entrega de presentes,
estávamos no final de mais um ano lectivo,
todos se aproximavam, com grande alarido
atropelavam-se uns aos outros.
Ela observava tranquila, mas estava feliz!
Os pensamentos voavam mas não enxergava nada
diante do seu nariz, porque sonhava...
Quando se deu conta, chamavam pelo seu nome
e de repente acordou de mais uma viagem,
agora que estava a colher uma flor
e a acertar os ponteiros do relógio
do mundo foi sacudida com furor...
Olharam-na com desprezo,
olhando para a caixa grande
com o último presente,
e disseram:
-Este é o teu, e riram-se...
Olhou para todos,os lados,
com os olhos cheios de lágrimas,
todos os embrulhos eram coloridos
e tinham um grande laço,
exibiam-nos humilhando-a com gritos,
insultos e empurrões...
Ela segurou o seu presente
embrulhado em papel pardo,
abraçou-o entre os seus bracinhos
pequenos e ali ficou à espera,
com os olhos pregados no chão.
Era a hora de cada um abrir
os seus presentes,
quando chegou a sua vez
rasgou o embrulho
e os seus olhos felizes
brilhavam, enquanto desembrulhava
um tesouro da literatura contemporânea.
A menina do mar,
de Sophia de Melo Breyner Anderson!
Olhou para a professora
e os dois pares de olhos cúmplices
estavam cheios de lágrimas...
Era o livro que tanto queria,
era um tesouro que agora possuía!
Olhavam-na agora prestes
a arrancar-lhe o livro
mas ela a menina dona de um silêncio
onde cabia a paz e o amor sem lamentos,
apertava o livro junto ao coração
que o protegeu das batidas frias
que dos corações emanavam.
Feliz, começou a ler,
a devorar e a sonhar
e nunca mais quis acordar,
hoje sonha escrever um livro
para oferecer em papel pardo...
Alice Barros
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